quinta-feira, 3 de julho de 2014

"Infartei.. e o sexo, doutora, pode quando?"

       Quando realizei uma pesquisa com pacientes pré-revascularização do miocárdio em que um dos itens avaliados era o Inventário de Depressão de Beck (BDI), chegava ao fatídico trecho em que eles tinham que escolher entre os itens:
0 Não notei qualquer mudança recente no meu interesse por sexo 
1 Estou menos interessado por sexo do que costumava 
2 Estou muito menos interessado por sexo agora 
3 Perdi completamente o interesse por sexo
       Eu já esperava... "ohh.. "doutora".. então.. eu vou poder quando.. sabe.. fazer essas coisas??" 
       E sempre retornava com aquela resposta de estudante "o sr. tem que conversar com o seu médico a respeito dessas orientações e ele vai te explicar direitinho"
       No entanto, muitas vezes em que eu retornava para reaplicar o BDI e outros testes próximos a alta do paciente, voltava a bendita pergunta! 
       Percebi que esse assunto era um tabu tanto para o paciente, que muitas vezes não se sente a vontade para perguntar, sendo algo mais difícil ainda para as mulheres, como também dos profissionais de saúde que se sentem acanhados de orientar e dar espaço para certas dúvidas.. e dúvidas essas muito importantes, afinal fazem parte da qualidade de vida do paciente. 

        Essa questão é tão importante que a American Heart Association (AHA) junto com outras 8 Sociedades de Cirurgia, de Reabilitação, de Urologia e de outras ligadas a Cardiologia lançaram em 2012 um Scientific Statment sobre a Atividade Sexual e Doença Cardiovasculares para servir de referência de orientação para os profissionais de saúde. E é com base nela e em uma publicação da Mayo Clinic Health Letter intitulada Sex After Heart Attack - Far From Mutually Exclusive, que vou ressaltar alguns pontos sobre o assunto no caso de infarto do miocárdio para vocês!

     Primeiro devemos saber de alguns dados:
- A pressão arterial (PA) e a frequência cardíaca (FC) possuem valores similares entre os homens e mulheres durante o ato sexual e aumentam moderamente durante as preliminares e possuem seu maior aumento durante os 10 a 15 segundos após o orgasmo e rapidamente voltam ao normal.
       - Em pacientes não-hipertensos, a FC raramente excede 130 bpm e a pressão arterial sistólica raramente excede 170 mmHg.
- Adultos jovens a idosos: a atividade sexual tem uma demanda física similar a subir dois lances de escada ou caminhar rapidamente (3 a 4 METS). Aqueles com doença cardiovascular, a demanda física deve ser maior que isso, mas há uma falta de estudos para determinar o valor aproximado.
- Mortes súbitas durante o sexo têm um frequência muito baixa, entre 0,7 a 1,7%, e não possuem uma diferença grande de incidência entre os infartados em comparação com os não infartados.
        - E sabe qual era a característica da maioria desses que morreram dos 0,7 a 1,7%?? Homens e 75% deles estavam em atividades sexuais extraconjugais.

     E devemos lembrar sempre que cada paciente é um caso único e deve ser sempre discutido com o médico responsável. Mas há algumas considerações que podem basear essa discussão:
- Se o paciente necessitou de uma angioplastia e implantação de stent para reestabelecer o fluxo coronário após o infarto, o retorno a atividade sexual deve esperar alguns dias, suficientes para a cicatrização do local da introdução do cateter do procedimento;
- Se precisou passar por uma cirurgia de revascularização do miocárdio ("cirurgia de pontes de safena"): as atividades sexuais não são recomendadas por 6 a 8 semanas, tempo médio de cicatrização do esterno (osso na linha média do tórax que é aberto para ter acesso ao coração). E ainda devem ser evitadas, após esse período, posições sexuais que submetam o tórax a muito estresse/peso;
- Há duas situações em que atividades sexuais não são recomendadas após o infarto: quando há arritmias não controladas ainda e/ou quando há sintomas que a insuficiência cardíaca está piorando;
- Após o infarto, as medicações devem estar balanceadas, otimizadas e sendo usadas com rigor e deve-se atentar para alguns fatores:
         - Em alguns casos, as medicações para o tratamento de pressão alta e insuficiência cardíaca podem diminuir a pressão arterial mais do que o necessário e o paciente sentir durante a relação tontura, sensação de cabeça e até mesmo desmaiar;
           - Uma medicação que deve ser prescrita e utilizada com extremo cuidado é o Sidenafil (Viagra) e outras para disfunção erétil, pois, além da possibilidade de promover hipotensão, NÃO PODE SER ASSOCIADO com NITRATO! Isso é algo que deve sempre ser indagado ao paciente!

       Para facilitar, enumero as recomendações gerais da AHA sobre as atividades sexuais para paciente com doença cardiovascular (DCV) (Levine et al, 2012) [para as determinações do nível de evidência, acesse o link do artigo ao final do post]:
1. Mulheres com DCV devem ser orientadas em relação a segurança e conveniência de métodos contraceptivos e da gravidez, quando apropriado (Classe I, nível de evidência C);
2. É recomendável que os pacientes com DCV desejando iniciar ou voltar as atividades sexuais sejam avaliados pela história médica e exame físico (Classe IIa, nível de evidência C);
3. Atividade sexual é recomendável para pacientes com DCV que, na avaliação clínica, são classificados como de baixo risco para complicações cardiovasculares (Classe IIa, nível de evidência B);
4. Testes de esforço é recomendável para pacientes que não são de baixo risco cardiovascular ou que não se sabe o nível de risco para quantificar a capacidade de exercício e desenvolvimento de sintomas, isquemias ou arritmias (Classe IIa, nível de evidência C);
5. Relações sexuais são permitidas para pacientes que podem realizar esforço físico igual ou acima de 3 a 5 METS sem angina, dispneia acentuada, mudanças isquemicas do segmento ST, cianose, hipotensão ou arritmias (Classe IIa, nível de evidência C);
6. Reabilitação cardíaca e exercício regular podem ser úteis na redução do risco de complicações cardiovasculares na realização de atividades sexuais em pacientes com DCV (Classe IIa, nível de evidência B);
7. Pacientes com DCV instável, descompensada e/ou sintomáticos graves devem adiar o retorno das atividades sexuais até que sua condição seja estabilizada e seu tratamento otimizado (Classe III, nível de evidência C);
8. Pacientes com DCV que apresentaram sintomas cardiovasculares desencadeados pelo ato sexual devem adiar o retorno das atividades sexuais até que sua condição seja estabilizada e seu tratamento otimizado (Classe III, nível de evidência C).

     Portanto, a atividade sexual deve ser sempre lembrada nas orientações de alta dos pacientes pós infarto do miocárdio, permitindo uma atmosfera acolhedora ao paciente tanto do sexo masculino, como do sexo feminino para que sanem todas suas dúvidas a respeito do assunto! E lembrem sempre, além das recomendações levantadas nesse post, de recomendar ao paciente de não associar ingesta de álcool e de pesadas refeições antes do ato sexual, de ressaltar que atividades sexuais muito diferentes do habitual e extraconjugais o expõe a um estresse perigoso a sua condição cardiovascular e do risco do uso de medicações para disfunção sexual sem prescrição médica podem aumentar o risco de novos eventos cardiovasculares!

E como é no seu serviço? Há um protocolo de orientação sobre a relação sexual após o infarto??

Até o próximo,

Elayne Oliveira
Presidente da Liga de Cardiologia da UNICAMP

Referências:
Sex after heart attack. Far from mutually exclusive. Mayo Clin Health Lett. 2013 Apr;31(4):7.


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