segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Um engenheiro com Marfan e o estopim para uma nova técnica cirúrgica de aorta

A dissecção de aorta ascendente é a causa mais comum de óbito em pacientes com Síndrome de Marfan, responsável por 70% dos óbitos dos pacientes com a síndrome. Devido a isso é realizado uma cirurgia cardíaca de troca total da raiz da aorta ascendente antes do desenvolvimento da dissecção, por volta em média dos 30 anos desses pacientes.

No entanto, isso promove a obrigatoriedade de anticoagulação do paciente por toda a vida. O que não é algo simples. Com a anticoagulação nesse caso, há um aumento do risco tromboembólico e de sangramento de 0,7% por ano ou aproximadamente 28% nos próximos 40 anos.

E o engenheiro mecânico Tal Golesworthy, que possui a síndrome de Marfan, ao chegar perto da sua indicação cirúrgica, não queria se submeter a isso. Para tal, juntou-se a uma equipe médica e de outros engenheiros e desenvolveu uma nova técnica cirúrgica que não necessita de anticoagulação, pois é baseado não em uma prótese, mas sim em um suporte externo personalizado para a aorta. E se tornou um dos voluntários da sua própria invenção.

Como você pode ver abaixo, essa equipe fez a junção de técnicas radiológicas com o autoCAD (programa de desenho auxiliado por computador), e produziu um modelo de acordo com a forma da raiz de aorta do paciente:

 2013;2013:mmt004

Em seguida, eles criaram como fosse uma malha de um tecido para fins médicos por meio de polímero com poros de 0,7 mm de acordo com o modelo produzido para o paciente, que possui saídas paras as coronárias (RCA, LCA) e o tronco braquiocefálico (BCA):

 2013;2013:mmt004

E o aspecto da colocação final do dispositivo pode ser visto nesse vídeo abaixo disponível nesse link:
http://bcove.me/8g89vcdx

Nesse TED, você pode ver a palestra dele sobre como surgiu a ideia, as dificuldades da execução em um grupo multidisciplinar e como é reparar seu próprio coração:

http://www.ted.com/talks/tal_golesworthy_how_i_repaired_my_own_heart

E você também pode ver maiores detalhes da técnica de produção do material e da técnica cirúrgica no artigo deles, de onde eu retirei todos esses dados e figuras, disponível aqui:

e em outra publicação deles também:

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Uso de droga injetável e endocardite


Uma de nossas últimas postagens foi sobre o uso da cocaína e seus efeitos para o coração. Hoje, vamos falar do uso de drogas injetáveis, como a heroína, e o risco para o desenvolvimento de endocardite, que chega a ser até três vezes maior.
Já explicamos aqui no blog o que é a endocardite, seus sintomas e como ela é causada (ver tópico http://ligadecardiologiaunicamp.blogspot.com.br/2014/08/sorriso-bonito-e-coracao-saudavel.html).
No entanto, ainda não falamos sobre essa doença em usuários de droga injetáveis. Na população em geral, a endocardite mais comum é aquela que acomete o lado esquerdo do coração, como a valva mitral. No caso de usuários de drogas injetáveis, por outro lado, a endocardite mais comum é aquela que acomete o lado direito do coração.
A proporção de endocardite infecciosa envolvendo a valva tricúspide pode chegar a 70% dos casos nesses pacientes, o que é algo ruim porque está relacionado a um pior prognóstico.
O acometimento do lado direito ocorre por vários motivos, dentre eles o fato de que, enquanto injetam a droga, os usuários levam ao sangue bactérias ou fungos, facilitando a infecção da valva tricúspide. Além disso, o uso repetitivo de drogas injetáveis pode, ao longo do tempo, danificar a valva tricúspide sem que haja sintomas, aumentando a chance de que ocorra endocardite.
Entre os agentes infecciosos, o S. aureus está presente em mais da metade de endocardite infecciosa em usuarios de droga injetáveis, enquanto no restante dos pacientes a prevalência é pode ser de apenas 30%.

Para saber mais sobre a endocardite infecciosa, acesse os links abaixo!


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Influência da desidratação sobre nosso coração

Esse ano, nós enfrentamos a maior seca das últimas décadas. A falta de água é sentida todos os dias, pois atrapalha na realização das mais simples tarefas diárias. Mas ela é ainda mais sentida em nosso próprio corpo- o lábio fica mais frágil, a pele fica mais seca, o olho fica mais irritado, o nariz começa a sangrar com freqüência, sem falar daquela constante dor de cabeça. Mas e o nosso coração? Como ele fica com essa desidratação?
A desidratação ocorre quando a pessoa perde mais líquido do que consome. Para tentar se proteger, nosso organismo criou diversos mecanismos de defesa. Inicialmente, a desidratação é percebida pelos centros de sede do cérebro, ao ser  estimulado faz com que a pessoa procure beber mais líquido, portanto, ao sentir sede, seu organismo já estava sofrendo com o início da desidratação. Se mesmo assim, o consumo não for suficiente para compensar a água perdida, começa os outros mecanismos de defesa, como diminuir a transpiração e produzir menor quantidade de urina. A água sai então do depósito interno das células e vai para o sangue. Mas se a desidratação persistir, os tecidos corporais começam a secar e as células encolhem tanto que passam a funcionar de forma inadequada.
As células do cérebro estão entre as mais propensas à desidratação, de maneira que um dos principais sinais de gravidade é a confusão mental, que pode evoluir para o coma. Mas as células cardíacas também são afetadas na desidratação prolongada, elas podem encolher, o que pode alterar as distâncias entre as células cardíacas, afetando a transmissão dos impulsos elétricos que estimulam o músculo cardíaco a se contrair. A desidratação também pode afetar os níveis de cálcio intracelular, necessário na contração muscular.
Além disso, quando se diminui a ingestão de fluidos verifica-se uma diminuição do volume sanguíneo, reduzindo consequentemente, o fluxo disponível para irrigar o coração, cérebro, músculos e todos os principais órgãos. Quanto menor o fluxo sanguíneo, menor será o fluxo de oxigênio recebido pelos órgãos vitais, diminuindo a capacidade para exercerem as suas funções.
A diminuição do volume sanguíneo leva a um aumento da secreção de vasopressina, hormonio antidiurético (ADH), que reduz acentuadamente o fluxo de urina e a excreção de sódio em pessoas saudáveis. O aumento da concentração de sódio está relacionado à hipertensão arterial, pois os sangue se torna mais concentrado e espesso, o que dificulta a circulação sanguínea, levando a vasoconstrição dos capilares. À medida que eles vão se fechando, a pressão nos grandes vasos sanguíneos se eleva e a pressão arterial global aumenta ainda mais. Os barorreceptores dos principais vasos sanguíneos também percebem a diminuição do volume sanguíneo e transmitem essa informação para o cérebro. Este envia sinais para aumentar a frequência cardíaca, numa tentativa de compensar o volume reduzido. Contudo, mesmo assim, o débito cardíaco continua diminuído, porque a quantidade de sangue que o coração é capaz de bombear por minuto é baixa devido ao volume total.
Testes in vitro mostram que alterações na hidratação podem ter um impacto significativo na adesão, levando os eritrócitos normais a mostrarem propriedades adesivas semelhantes às observadas em anemia falciforme.
A desidratação torna o sangue “mais espesso”, mais viscoso e mais difícil de circular no sistema cardiovascular, altera a composição do sangue (hematócrito), podendo assim aumentar o risco de doenças cardiovasculares. Os fatores hemorreológicos (relacionados a viscosidade do sangue) ficam elevados alguns anos antes da manifestação de eventos agudos isquémicos e estão implicados nas fases iniciais (aceleração e extensão) da arteriosclerose.
Outro problema cardíaco associado com a desidratação é a hipotensão ortostática- quando a pressão arterial cai significativamente ao mudar da posição deitada para a posição sentada ou em pé, isso pode ocorrer porque o volume de sangue fica baixo demais para que o corpo possa ajustar a pressão arterial e a frequência cardíaca. Os sintomas incluem: tontura, vertigem e desmaio.
Portanto, a desidratação afeta de várias maneiras o sistema cardiovascular- diminuição do débito cárdiaco e do volume sanguíneo, aumento da frequência cardíaca, hipertensão arterial, hipotensão ortostática,outras doenças cardiovasculares. Não se esqueça de sair com sua garrafinha de água e, mesmo que não esteja com sede, beba sempre um pouco de água a cada intervalo. Seu coração agradece!

http://www.manualmerck.net/?id=162&cn=1276




quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pro Criança Cardíaca, o que é?

  Muitas são as organizações sem fins lucrativos que existem no nosso meio, porém nem tantas assim são conhecidas por nós. Hoje apresentaremos aqui uma dessas organizações, voltada para o cuidado de crianças com problemas cardíacos, e essa organização se chama Pro Criança Cardíaca.
  Fundado em 1996, pela Dra. Rosa Celia Pimentel Barbosa, o Pro Criança Cardíaca é uma instituição médica sem fins lucrativos criada para suprir a escassez de leitos especializados na rede pública hospitalar. Em seus 18 anos, o Projeto já atendeu mais de 20.000 crianças e realizou 1.300 cirurgias cardíacas. 

  No ambulatório, são atendidas mensalmente 160 crianças. Através de indicação do SUS, os pacientes chegam à instituição, onde recebem o atendimento de uma equipe de profissionais qualificados para o tratamento da criança com doença no coração (cardiologistas pediátricos, cirurgiões cardiopediatras, anestesiologistas, dentistas e psicólogos). Durante o tratamento, a criança e sua família recebem todo o suporte: medicamentos, alimentos, livros, roupas, brinquedos e muito carinho.
  O intuito deste post de hoje é informar sobre a existência dessa instituição, e o bem que ela faz. Mas podemos saber mais sobre ela e assistir a entrevista da fundadora do projeto através do link http://www.procrianca.org.br/html/index.php
  Gastem um pequeno tempo conhecendo este grande projeto!

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Síndrome do bebê azul

Figura 1
A "Síndrome do bebê azul" é uma malformação congênita chamada de Tetralogia de Fallot, e é composta por quatro fatores: comunicação interventricular, obstrução da via de saída do ventrículo direito (estenose subpulmonar), aorta cavalgada (sobrepõe a comunicação interventricular)  e hipertrofia do ventrículo direito (figura 1).

 A causa das anomalias congênitas é o deslocamento anterossuperior do septo infundibular durante a embriogênese, que obstrui a artéria pulmonar.
A obstrução da via de saída do ventrículo direito torna o fluxo pulmonar muito menor, e grande parte do volume sistêmico venoso é desviado para esquerda pela comunicação interventricular. A manifestação clínica depende do grau da estenose pulmonar: se for intensa a criança se apresentará altamente cianótica, o que explica o nome de "síndrome do bebê azul". Existe a possibilidade de a estenose pulmonar ser leve e, nesse caso, o shunt pode ser da esquerda para direita, sem ocorrer cianose (o que é conhecido como tetralogia cor de rosa).

O tratamento é feito cirurgicamente para corrigir as anomalias apresentadas, com fechamento da comunicação interventricular, alargamento da via de saída do ventrículo direito, e alargamento do tronco da artéria pulmonar.

Referências

Harrison.Medicina Interna. 18ªed.AMGH Editora, 2013.
Robins & Cotran. Patologia- Bases Patológicas das Doenças. 8ªed. Elsevier Editora,2010.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Assista as principais apresentações do ESC 2014

Não teve a oportunidade de ir para Barcelona essa semana para o maior congresso de Cardiologia do mundo?
Ou foi e não conseguiu ver todas as apresentações que queria?

A European Society of Cardiology montou o ESC Congress 365 que permite você ver o pôster, ou os slides ou até mesmo a gravação das apresentações que ocorreram nesse congresso e dos anos anteriores.

Para toda essa maravilha, você só precisa fazer o seu login no site da ESC e depois procurar por tópico, Guidelines ou procurar pelo nome do estudo ou área de interesse:
http://congress365.escardio.org/portal/site/Congress365/#.VAjiaLywJ_Q




E para ajudar separei alguns estudos que foram destaques na ESC 2014. Veja a apresentação original e também as discussões com os mais renomados cardiologistas sobre o assunto:

1. Quer saber sobre a mais nova promissora droga (LCZ696) para tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida que apresentou menor mortalidade e menor número de hospitalizações comparado ao uso de IECA? Veja o estudo PARADIGM-HF
http://congress365.escardio.org/Search-Results?vgnextkeyword=paradigm-hf#.VAjm-LywJ_S

Veja também a discussão entre os investigadores principais organizado pela NEJM e a ESC:
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1410203

2. Quer saber mais se devemos na angioplastia intervir somente na coronária relacionada ao infarto ou em todas lesões que encontramos? Veja o estudo CvLPRIT
http://congress365.escardio.org/Search-Results?vgnextkeyword=CvLPRIT#.VAoNNrywJ_T

3. Quer saber se vale a pena ou não usar o Ticagrelor (Brilinta) já na ambulância ou somente durante o cateterismo cardíaco após o infarto do miocárdio? Veja o estudo ATLANTIC
http://congress365.escardio.org/Search-Results?vgnextkeyword=ATLANTIC+#.VAjtxrywJ_T

Gostaram?
Qual outro estudo apresentado nesse congresso que você achou interessante??

Até a próxima,

Elayne Oliveira
Presidente da Liga de Cardiologia da UNICAMP

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Você conhece os efeitos cardiovasculares decorrentes do uso da cocaína?


Que as substâncias psicoativas ilícitas exercem grandes efeitos em nosso organismo nós já estamos cansados de saber, mas, cientificamente você reconhece estes efeitos de fato? Você entende o porquê de uma pessoa ir a óbito após usar tais substâncias? Hoje, nosso post abordará um pouco sobre os efeitos da cocaína no nosso organismo e, principalmente, as complicações cardiovasculares que ela ocasiona...

Mas você deve estar se perguntando... por que eu escolhi falar especificamente sobre a cocaína? Bom, percebi que no nosso meio, o uso desta substância tem aumentado nos últimos tempos, por meio de um estudo, publicado na Fapesp em janeiro deste ano, mostrou que o Brasil está entre os países que mais a consomem, além disso, cerca de 2% da população brasileira consumia cocaína na época da realização deste mesmo estudo. Logo, além das substâncias lícitas em nosso país, como álcool e tabaco, as ilícitas, também tem um peso importante por aqui.

Encontrei um artigo de revisão muito bacana para explicar os efeitos da cocaína em nosso organismo, apesar de ele ser um pouco antigo (data de 1990), ele é bastante didático: basicamente ela atua bloqueando a capacidade de recaptação pré-sináptica das catecolaminas, provocando um excesso de neurotransmissores nos receptores pós-sinápticos. É este excesso de catecolaminas nas sinapses que provoca a maior parte dos efeitos cardiovasculares desta substância, porém, não podem ser descartados também os efeitos tóxicos diretos da substância.


Como efeitos cardiovasculares temos: vasoconstrição, taquicardia, elevação da pressão arterial, predisposição à arritmias cardíacas (bradicardia sinusal e até assistolia - por conta do efeito anestésico local - e também ventriculares).

Como complicações do uso de cocaína podemos ter: infarto agudo do miocárdio, miocardites, cardiomiopatia dilatada, edema pulmonar, dissecção de aorta, morte súbita e arritmias. De todas estas graves complicações decorrentes do uso da substância, o INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO é, sem dúvida, a mais frequente em nosso meio.

Este infarto ocasionado pelo uso da cocaína deve chamar muito a atenção dos profissionais de saúde, inclusive de nós, estudantes, porque é um infarto que tipicamente acomete pacientes JOVENS, muitas vezes sem o antecedentes de dislipidemia que é o mais conhecido por nós. Neste artigo de revisão que mencionei ali em cima, é abordada como possível causa deste infarto ocasionado pelo uso da cocaína o VASO-ESPASMO das artérias coronárias associado a uma TROMBOGENICIDADE propiciada por esta substância. Tais condições, quando associadas a um paciente que já apresenta algum grau de obstrução coronária, apresenta o risco dobrado para desenvolver um infarto agudo do miocárdio.

Esta associação entre uso de substâncias psicoativas, sobretudo a cocaína e seus derivados, e a abordagem cardíaca é tão relevante que, no Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo do ano passado, o diretor da SOCESP coordenou uma discussão sobre o risco que este uso traz ao coração dos nossos jovens. Assim, ele mesmo afirma que, em casos de Emergências envolvendo SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS EM JOVENS (< 40 anos), o uso de cocaína deve ser muito bem investigado por parte dos médicos. Não basta perguntarmos apenas na sala de Emergência se houve uso antecedendo os sintomas cardíacos, deve haver uma investigação posterior sobre esse uso.

Ainda mostrando a relevância do tema na Cardiologia, sobretudo quando falamos de pacientes jovens, este ano no Congresso da SOCESP, um dos trabalhos aprovados para apresentação abordava uma complicação em um paciente de 19 anos, devido ao uso de cocaína: formação de pseudoaneurisma gigante em ventrículo esquerdo após o uso de cocaína. Mesmo sendo uma complicação extrema e rara, ela ocorre e seu tratamento é somente cirúrgico.


Bom, por hoje é só pessoal :)
Espero que tenham aproveitado e aprendido um pouco mais...

Boa noite!
Até a próxima :)

Abaixo, deixo para vocês os links dos artigos que consultei..

Artigo de Revisão: Cocaína e o coração

O que disse o diretor da SOCESP sobre o tema

Pseudoaneurisma de ventrículo esquerdo - Complicação do uso de cocaína

Estudo de prevalência do uso de cocaína no Brasil